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Conteúdos que não agregam valor, mas levam influencers à riqueza

QUEM ESTÁ NO CONTROLE?
“Se eu disser pule do penhasco, você vai pular? Não!” Qual seria a sua reação se um influencer digital dissesse esta frase? Bom, caso você não saiba, ela já foi dita por Carlinhos Maia, um digital influencer conhecido nas redes sociais por seus milhares de seguidores e algumas -várias- ações controversas. Carlinhos já foi considerado um dos maiores sucessos das redes sociais pela Forbes Under 30. Se está lista é considerada válida ou não - por sua questionável classificação - fica para um outro momento.
MERCADO DA INFLUÊNCIA NO BRASIL
O Brasil é o país com mais influenciadores digitais no mundo, com mais de 10,5 milhões no Instagram, cada um com pelo menos mil seguidores. Segundo a pesquisa da Nielsen, o Brasil está em primeiro lugar nesse ranking. Além disso, cerca de 500 mil desses criadores têm mais de 10 mil seguidores. Quando se incluem YouTube e TikTok, o Brasil fica em terceiro lugar no mundo.
Como já visto, o mercado de influenciadores digitais está crescendo em todo o mundo, impulsionado pela febre das redes sociais e pela capacidade dos influenciadores de engajar grandes públicos. Contudo, a relação entre os influenciadores e seus seguidores é baseada em pilares como confiança, proximidade e autenticidade, mas ela não é imutável e pode se romper se houver uma quebra na percepção de autenticidade ou transparência.
Pensando nisso, o desejo por uma conexão emocional, combinado com o uso excessivo das redes sociais, tem sido associado a problemas de saúde mental. Com o aumento no número de pacientes, especialmente entre jovens e adultos, o psicólogo Davi Rodriguez Ruivo Fernandes, especialista em Psicanálise e Saúde pelo Instituto de Ensino Hospital Israelita Albert Einstein, tem observado que a exposição constante e a comparação nas redes muitas vezes estão ligadas a sintomas como ansiedade, baixa autoestima e, em casos mais graves, transtornos de imagem corporal e alimentares.
Ele aponta que a adolescência é uma fase crucial para a construção da identidade e do sentimento de pertencimento. Jovens e adolescentes que enfrentam novas normas sociais e estilos de vida diferentes dos das gerações anteriores são especialmente afetados pela busca de validação nas redes. Curtidas, comentários e seguidores são vistos como sinais de aceitação, o que torna as redes sociais um espaço para inseguranças e comparações, especialmente entre jovens de baixa renda que têm menos acesso a atividades de lazer fora das telas.
"Quando os jovens se conectam às redes, muitas vezes esse é o único espaço de interação social acessível e gratuito", ressalta o psicólogo.
Com relação ao mercado de influenciadores e às novas formas de consumo, publicidade e divulgação, Davi Rodriguez também destaca os perigos da ludopatia, o vício em jogos de azar, especialmente em plataformas online que condicionam o cérebro ao prazer imediato e contínuo, um cenário que pode acarretar consequências neurológicas e sociais a longo prazo.
Vale ressaltar que a saúde mental na era digital requer atenção tanto da população quanto do sistema de saúde, com o objetivo de equilibrar o uso das redes e valorizar as interações e experiências fora do ambiente virtual. Ainda mais porquê, segundo levantamento da Comscore, o Brasil é o terceiro maior consumidor de redes sociais no mundo, atrás apenas da Índia e Indonésia e à frente dos Estados Unidos, México e Argentina.
A análise "Tendências de Social Media 2023" revela que os 131,5 milhões de usuários de internet no Brasil têm passado cada vez mais tempo nas redes sociais. Em dezembro de 2022, a categoria registrou 356 bilhões de minutos de uso, o equivalente a 46 horas mensais por pessoa, um aumento de 31% em relação a janeiro de 2020. As redes sociais superaram o tempo de uso em outras categorias, como serviços, entretenimento e finanças.

O QUE SÃO "INFLUENCIADORES DIGITAIS"?
O PESO DA INFLUÊNCIA E VALOR DA IMAGEM
Influenciador é alguém que consegue convencer outras pessoas a comprarem um produto ou serviço, divulgando ou recomendando esses itens nas redes sociais. Em troca, ele é monetizado ou recebe o próprio produto ou serviço que está promovendo.
Pensando nisso, a atenção do público é um recurso valioso para as marcas, que competem pela atenção das pessoas por meio dos influenciadores. A MField estimou a média de valores pagos a influenciadores brasileiros com base em um levantamento de 2023, elencado por faixa de seguidores: entre 10 mil e 100 mil seguidores, esse valor pode se aproximar de R$ 14.538; de 100 mil a 1 milhão de seguidores, pode alcançar até R$ 24 mil por ação; para influenciadores com até 5 milhões de seguidores, o valor por ação pode chegar a R$ 78 mil; e para a faixa acima de 10 milhões de seguidores, ultrapassa R$ 182 mil. Considerando todas as faixas, o valor médio pago por ação atualmente a influenciadores brasileiros chega a R$ 34 mil.
Enquanto somos bombardeados por notícias, publicidade, redes sociais, entretenimento e múltiplas plataformas digitais, nossa capacidade de nos concentrarmos em tudo isso ao mesmo tempo é pequena. Isso cria uma demanda crescente por captar e manter essa atenção, transformando-a em um ativo de grande valor para empresas.
Vende mais quem retém a atenção do público, mas a que custo?
As redes sociais transformam a atenção em moeda
Com o impacto das redes sociais, celebridades, criadores de conteúdo e até pessoas comuns passaram a acumular milhares ou milhões de seguidores, transformando a atenção alheia em uma moeda de valor. Em muitos casos, esse poder é utilizado para promover produtos, estilos de vida ou ideias que nem sempre refletem uma verdadeira contribuição positiva para a sociedade. Ao mesmo tempo, esses influenciadores ganham fortunas em campanhas publicitárias, parcerias de marca e monetização de conteúdo.

Por Juliana Santoros/@aolhonu.photo/Divulgação UOL
ENTREVISTA COM
GUSTAVO GAIOFATO
De acordo com um estudo da multinacional Nielsen Media Research, mais de 500 mil pessoas atuam como influencers no Brasil, com no mínimo 10 mil seguidores cada. O professor de história Gustavo Gaiofato explica que o país teve um grande retrocesso em relação ao reconhecimento de trabalho e o fácil acesso a tecnologia e o processo de digitalização, auxiliando para que as pessoas acreditem que ser blogueiro e toda essa “vitrinização” seja fácil.
“Esse fenômeno vem com uma adesão tão grande muito mais por consequência desse processo sociológico da precarização das situações de trabalho, o acesso a internet muito grande e ao mesmo tempo a ausência do entretenimento e do lazer alternativos." explica o professor de história, criador de conteúdo e reivindicalista, com mais de 250 mil inscritos no YouTube.
Na sua visão, como o impacto social causado pelos influenciadores digitais é positivo ou negativo?
“Acho que eles representam um destacamento que vem de um estilo de vida, de uma certa maneira de existência, que para muita gente é a produção de uma experiência coletiva. Muita gente queria ter essa vida, é uma vitrine de uma vida real. Uma vida real que é sustentada a partir de um meio pouco escuso, que tem algo esquisito ali, um conteúdo que personaliza tanto alguém, não pela produção do que a pessoa traz, mas um pensamento. Acho que é o reforço de uma lógica muito individualista. Muito na produção desse sentido subjetivo de individualidade."
Como eles contribuem para questões como responsabilidade social, inclusão e educação, ou podem reforçar padrões prejudiciais na sociedade?
“O brasileiro não tem muito acesso ao lazer e ao entretenimento que sejam diferentes disso, então isso acaba concentrando muita gente nas plataformas digitais e ai os conteúdos que circulam ali pelos influenciadores geram uma dimensão de alcance muito maior e faz com que as pessoas pensem nessa imagem do que é ser um influenciador, na sua parte boa entre elas receber coisas, ser famoso, viver um estilo de vida de “blogueiro” e a própria lógica da exposição cada vez mais frequente das redes sociais e desse mecanismo “vitrinização”.
E como você vê o papel das “bets” dentro desta lógica da precarização do trabalho e a falta do entretenimento?
"É interessante analisarmos o caso das “bets” e como elas aparecem como uma consequência desse processo também. Como consequência de um modelo de economia que circula na base dessa influência, por mais que estejamos falando de uma economia que concretamente afeta e tira o dinheiro das pessoas. É um mercado financeiro só que para pobre.”
Como você analisa a ideia de que para as pessoas hoje em dia ser clt não vale a pena?
“Isso é, para mim, um exemplo muito concreto do que temos visto, esse derretimento das relações concretas e estáveis de trabalho. Saiu uma pesquisa, acho que ano passado, 2023, mas que eu vi este ano, onde mostra um gráfico que hoje nós temos o menor índice de participação do salário mínimo na composição de renda nacional nos últimos 8,10 anos. Por que nós temos um processo em que as remessas de lucro das empresas e os salários, estão compondo -praticamente- o mesmo percentual da renda nacional. O que indica que o salário foi desvalorizado. O salário não faz mais parte desta composição, o que faz mais parte é o lucro concentrado das empresas. E aí numa situação dessas em que um aluguel de um quarto com acesso à pouca coisa está R$1.000/R$1.500 reais. Então como você faz isso com um salário mínimo custando praticamente um aluguel? E estamos falando de áreas ainda não tão periféricas, porque ainda tem isso."
Refletindo em possíveis problemas psicológicos que esse caso pode causar, na sua opinião como isso poderia mudar?
“Não à toa os CAPS já estão com problema de alocação de pessoas que estão chegando com problemas de apostas. Ao invés disso [alertar sobre] o governo está avaliando regulamentar. Eu sou contra a existência disso, acho importante salientar. “Ah é liberdade”. Não interessa, isso não é bom. Estamos falando de entretenimento, e é isso, a pessoa abre o Instagram, abre o Tik Tok, WhatsApp, Youtube, vê ali a propaganda, sobretudo no Instagram, vê ali uma propaganda de um influenciador que tem milhões de seguidores e fazem propaganda disso e complica a situação. Porque essa galera que faz a propaganda ganha dinheiro de contrato."
Em relação aos influenciadores, de que forma eles ajudam a reforçar os discursos de uma classe dominante?
"Muitos fatores em jogo, analisar que nas últimas décadas tivemos um retrocesso muito grande do meio formal de reconhecimento de trabalho, estamos vendo que as relações que envolvem o emprego, que envolvem o exercer da profissão estão cada vez menos garantida juridicamente, então isso acaba abrindo de uma certa maneira um mercado muito grande de pessoas que vão entrar nesse ciclo do empreendedorismo, algo que se tornou hegemônico hoje em dia.”
Qual a sua visão sobre a figura do criador de conteúdo no geral?
"Eu não gosto de ver essa questão, essa situação sobre um prisma moral. Tipo “ah o que eles contribuem para a sociedade?” Não sei. Não é o meu papel julgar isso, não é meu papel avaliar se eles [conteúdos] são bons ou não. Assiste quem quer. Acho que é uma questão de nicho e muita gente se interessa, mas, para mim, o grande problema não é o conteúdo em si, mas a forma como isso é veiculado."
Para você, o que é a produção de conteúdo e o que é ser um influenciador digital?
"Pra mim, ser um influenciador, criador de conteúdo, é um trabalho. Só isso. Um trabalho como qualquer outra função de trabalho demanda certa responsabilidade e demanda, também, um cuidado com o que você está fazendo e produzindo. Eu acho que hoje em dia é essa a principal nuance do que eu levo. Porque as coisas que eu faço são pensadas para o público e tal, mas, são pensadas a partir do meu próprio processo de construção das minhas experiências de vida.”
No que compete o trabalho dessa pessoa?
“Eu acho que é um processo de formação educacional social. De você, a partir da sua experiência, das suas reflexões, vai criando comunidades, cria-se um tipo de circulação de informação, de visão de mundo. Eu acho que o papel de um influenciador neste aspecto, é de deter esta responsabilidade. De ser o mais humano possível, porque eu acho que existe um tipo de sustentação de imagem na internet, de um certo ideal que percorre uma lógica 'adoecedora'. Uma lógica que de você precisa ser um dos maiores, precisa entender todas as coisas etc, mas, no final das contas, isso acaba produzindo muito mais um raciocínio do grande mercado."
Na sua visão, o por quê os influenciadores conseguem captar e reter tanto a atenção do público? Seria por vender esse modelo de vida?
"Sim. E porque eu acho que todo mundo quer isso. Até quem critica. Sabe quem tem esse lugar meio elitista? Quer isso. No fundo gostaria de ter essa segurança, esse tipo de segurança que é assegurado em torno de uma certa produção de sentido na sociedade. Nem todo mundo é assim, mas é um sentido que é dominante: o consumo, a opulência, as festas, as orgias, a bebidas, a família, tudo! É um grande programa do Gugu."
Na sua visão, o que leva uma pessoa a decidir que será um influencer, youtuber etc?
"Pelo mesmo motivo que as pessoas escolhem ser advogado, engenheiro ou médico porque dá prestígio, porque isso parece significar alguma coisa importante. Porque é o nosso tempo. Porque produz uma certa imagem, um certo sentido de experiência que leva a esse lugar."
"O papel de um influenciador é de responsabilidade."
Esse cenário evidencia o poder do marketing de influência dos influenciadores, uma estratégia que explora a confiança que os indivíduos digitais conquistam junto a seus seguidores. Ao criar uma conexão emocional, através da identificação das pessoas com os conteúdos postados, eles conseguem fazer com que suas recomendações pareçam mais genuínas, em contraste com a publicidade tradicional.
Essa proximidade facilita a adoção de comportamentos de consumo, já que as audiências tendem a enxergar os influenciadores como modelos de comportamento e referências. Além disso, o marketing de influência oferece uma abordagem mais segmentada e direcionada, permitindo que as campanhas atinjam grupos específicos de forma eficiente.
De acordo com “The Influencer Marketing Benchmark Report 2024”, do Influencer Marketing Hub, o mercado de influência deve movimentar 24 bilhões de dólares mundialmente em 2024, representando um crescimento de 13,7% em relação a 2023. No Brasil, 54% das marcas entrevistadas pela Influency.me investiram em marketing de influência no último ano, sendo que 68% planejam aumentar o investimento em 2024, 29% pretendem mantê-lo e apenas 3% mencionaram a intenção de reduzi-lo.

Imagem concedida pela Agência Mosaico
MARKETING DA INFLUENCIA E RESPONSABILIDADE
COM KALIL YHEURIET
“Desde que tudo era mato”, é assim que o CEO e fundador da Agência Mosaico descreve seu início no marketing de influência. Kalil Yheuriet, formado em Publicidade e Propaganda pela UFRGS-RS, trabalha com comunicação desde 2000, mas foi em 2011 que começou a atuar com influencers. Ele relata: “trabalhava muito focado no Twitter; depois veio o Facebook. O YouTube já existia, mas, no início, as marcas investiam principalmente no Twitter, e, mais tarde, surgiu o Instagram”.
Foi nessa época que ele percebeu os padrões predominantes: heteronormativo, branco, com sotaque Rio-São Paulo, refletindo as referências que víamos na televisão e revistas da mídia tradicional, repetindo-se nas redes sociais. Assim, junto com sua irmã, também formada em Publicidade, decidiram fundar a Agência Mosaico, com o objetivo de criar uma seleção de criadores de conteúdo para marcas de maneira mais plural.
“Olhando para todas as identidades da diversidade, essa foi a principal motivação”, explicou. Além disso, ao trabalhar em outras agências, Kalil percebeu que a área de digital influencers era tratada apenas como um braço do marketing, mas tinha potencial para muito mais. No casting da agência, encontram-se nomes reconhecidos como Lorelay Fox, Drag Queen, Mamma Bruschetta, Mauro Souza, entre outros.
Desde 2015, observamos nas redes um movimento do público exigindo que a mídia assumisse uma postura mais representativa. Em meio a tantos influenciadores com milhões de seguidores, vidas luxuosas e divulgações de produtos e jogos questionáveis, como entender o funcionamento desse meio digital?
Em nossa entrevista, Kalil compartilhou suas percepções sobre o “boom” de novos criadores de conteúdo, a saturação do mercado e o mapeamento de influencers, além de explicar o funcionamento do casting da Mosaico, uma agência comprometida com a diversidade humana.
Recentemente saiu uma pesquisa da Nielsen, uma empresa de dados americana, que coloca agora o Brasil em primeiro lugar no ranking mundial de influenciadores, com crescimento de 500 mil em todo o Brasil. Vocês observaram esse aumento?
"A gente sentiu bastante essa mudança. Uma das principais motivações que trouxe esse “bum” de influenciadores, foi a pandemia. Na época da pandemia muitas pessoas se descobriram criadores de conteúdo, ou era o momento de estar em casa sozinha e que precisava fazer alguma coisa. E hoje estamos com 20 milhões de criadores de conteúdo , é muita gente criando conteúdo."
Como funciona o mapeamento desses influenciadores?
"O mapeamento de novos agenciados, muitos chegam até a agência e nós avaliamos o perfil, analisamos se realmente a pessoa tem um engajamento bacana, um conteúdo atraente para as marcas. Porque muitas vezes chegam pessoas com um perfil interessante, mas não são comerciais. Então, na visão de um agente, eu preciso ter alguém no meu casting que vai atrair uma marca. Uma pessoa que vai criar um conteúdo que facilmente a marca vai visualizar o produto dela em evidência naquele conteúdo. Primeiro filtrar esses perfis.
Além disso, nós buscamos nas redes como todo mundo faz no instagram ou tik tok, fuçando. Buscando pessoas que tem potencial e que estão em crescimento. E isso a gente vê tanto observando certos perfis ou em certas ferramentas pagas, e avalia o crescimento, se a pessoa no último mês ganhou seguidores ou está caindo. Se a pessoa está perdendo, não é interessante."
Como funciona o mercado de influência no Brasil? Como é a relação marca x influenciador?
“Acontece muita desigualdade, por exemplo, em um mesmo projeto/campanha, vai ter pessoas que vão receber muito mais do que outras, isso tendo o mesmo escopo. Isso acontece devido ao alcance de cada um. Cada influencer tem o seu valor, tem um custo para entregar um reels, um story. Então, uma pessoa que tem 50 mil seguidores tem um valor, enquanto a pessoa que tem 1 milhão, tem outro. algumas marcas não respeitam isso e vai chegando numa saturação de negociação que muitos criadores de conteúdo são obrigados a diminuírem o seu valor.”
Há uma regularização fiscal da monetização direcionada aos influenciadores?
"Não. Isso é muito ruim porque os influencers não têm um sindicato, sem uma sindicalização não existe uma tabela de preço. Essa também é uma questão, isso atrapalha o mercado porque sempre vai ter alguém que vai cobrar mais barato. Mas quem vai decidir isso é a marca, se ela vai preferir optar por um conteúdo de verdade, bem acabado ou uma que paga menos e não vai trazer uma qualidade de conteúdo. Tudo é muito relativo."
Qual a sua visão sobre influenciadores como Virginia e Vih Tube que fazem da própria vida uma vitrine ou uma marca?
"Em relação a esses perfis polêmicos, acho assim, todo perfil tem seu público e, infelizmente, esses também. Nós trabalhamos com um país que é extremamente carente e que precisa ter perfis estilo reality show que compartilhem e acompanhem essa vida."
Qual postura seria ideal no mundo do marketing de influência?
"Como dono de agência, e que lida com marcas, é não trazer determinados perfis. A Mosaico, por exemplo, não trabalha com perfis vinculados com jogos do tigrinho, a gente não trabalha com o que não acredita. Que é o mal desta década. Porque a partir do momento em que uma bets ela patrocina festivais, dá nome a equipes de futebol, como é que vai barrar isso? O dinheiro fala mais alto nesse caso, infelizmente. "
Você acredita que a regulamentação das redes sociais influenciará nesses perfis? Nesse modo de criar conteúdo?
"Com certeza. Acho que é necessário ter uma regulamentação das redes, porque hoje é uma bagunça, de fato. Alguns nomes que você trouxe já voltaram atrás e se desculparam, o perfil colocou uma camiseta branca e falou “eu errei”. Porque antes de postar qualquer coisa a pessoa terá noção de que pode ser processada, é algo que todo mundo deveria ter: senso de responsabilidade.
E quem é influenciador, deveria ter muito mais porque ele está falando para milhares ou milhões de pessoas, então, tudo o que ele vai divulgar, produto ou serviço, ele tem que assinar embaixo. Se a pessoa tem uma conduta preconceituosa, precisa ser acuada. Se a pessoa divulgar um produto que não é eficaz ou que vai prejudicar os consumidores, a audiência, ela precisa ser autuada."

Imagem extraída de banco de imagens
BELEZA E SAÚDE
Uma pesquisa da Universidade Federal de Goiás (UFG) revelou que os influencers ajudam a perpetuar e vender um padrão de beleza estabelecido há décadas, restringindo a autonomia de escolha dos indivíduos e alimentando um ciclo lucrativo para as empresas.
O estudo aponta que o setor comercial utiliza elementos culturais para incentivar o consumo de produtos, sendo os influenciadores digitais peças-chave para influenciar as decisões de compra de milhares de pessoas. A pesquisa destaca que “a indústria cultural tende a reforçar um indivíduo consumista e muitas vezes acrítico”, ou seja, o mercado da influência busca induzir decisões de compra por meio da construção de um ideal de beleza padronizado.
No entanto, muitos fatores não são mostrados para os seguidores, como os procedimentos estéticos adotados para sustentar esse padrão e as condições financeiras que permitem manter um estilo de vida saudável.

"A Internet é um
mundo de ilusão"
Por Bervelin Lins
Dentro da escala 6x1, Viviane Angelo Pereira, de 28 anos, trabalha com atendimento ao público em uma salgaderia no Capão Redondo, zona sul da capital. Mesmo bairro onde mora com os pais desde que nasceu. De maneira exaustiva, como ela descreve durante a nossa entrevista, ela vive uma rotina como os 11% dos trabalhadores brasileiros, que cumprem jornada igual ou superior a 49 horas por semana.
Vivi, como é chamada pelos amigos e parentes, entra às 6h da manhã e sai às 15h, de segunda a sexta-feira. Tem apenas 15 minutos de almoço. Aos sábados, ela reveza o dia trabalhado com outra funcionária, entra às 15h e sai às 20h da noite. “O nosso dia a dia é uma correria, é trânsito, ônibus cheio, trabalho, funções que tem que fazer em casa. É mais cansativo que o próprio emprego”, ela comenta.
As suas manhãs são marcadas por um ritual: junto com o café, ela engole quatro comprimidos de sertralina. Viviane foi diagnosticada com TAG (Transtorno de Ansiedade Generativa) agora na fase adulta, aos 22 anos, mas conta que sempre teve, desde a adolescência. “Uns traumas de infância e depois um relacionamento abusivo” a levaram a ter crises e ataques de pânico. Não deu para ignorar os sintomas que ali transbordavam. Foi preciso intervir com acompanhamento psicológico e psiquiátrico. Quando está sob um ataque de ansiedade ela precisa tomar um comprimido de clonazepam.
Suas noites também não são muito diferentes do momento em que acorda. O ritual segue. Como não consegue dormir, pois sua cabeça é perturbada pela insônia, é necessário tomar três amitriptilina para adormecer.
No dia seguinte, às 5h da manhã, ela já está de pé. Todos os dias ela pega o mesmo ônibus. O 7055 Terminal Campo Limpo, que sai do seu bairro e vai até o seu trabalho. Um percurso que dura 10 minutos. Por sorte, ela mora e trabalha perto. O look é básico e prático, calça jeans, uma camiseta descolada que comprou na Shein e um tênis confortável, e claro, muito cheirosa usando um dos seus body Splashs que comprou da sua influenciadora preferida, Virgínia Fonseca. No trabalho, não tem uniforme, ela troca somente a camiseta por uma mais surrada e põe uma touquinha no cabelo para não contaminar a comida.
Entre um cliente ou outro, uma conversa ali e outra aqui, ela diz que não pode, mas pega seu celular algumas vezes para conferir alguma novidade. Ver uma nova fofoca no instagram ou responder uma mensagem no whatsapp. Sempre na expectativa pelo fim do expediente. Quando sai do trabalho, ela segue fielmente o seu caminho de volta para casa, exceto às quintas-feiras, quando o roteiro muda um pouco. Às 16h ela tem um encontro marcado com a psicóloga do AMA Capão Redondo.
Nas suas consultas com a psiquiatra, vivi diz que fora os assuntos sobre relacionamentos antigos e os traumas de infância, também aborda sobre a sua relação com as redes sociais. “Tem muitos gatilhos, mesmo sendo algo que usamos como entretenimento, acaba fazendo mal”, ela reconhece, ao ser questionada sobre o que pensa em relação a internet. “Um mundo de ilusão”, como descreve.
Quando indagada, ela ranqueia as influenciadoras que mais acompanha: Virgínia Fonseca, Tatá Estanieck e Lais Paz, uma PG*. Depois de um longo e cansativo dia de trabalho, ela chega em casa e vai direto colocar as coisas em ordem. Mas não antes de abrir seu instagram, clicar no perfil da Virgínia -um dos primeiros a aparecer em sua tela- e deixar o story da criadora de conteúdo rolar como se fosse um programa de tv. Lavar uma louça, varrer a sala ou dobrar as roupas são momentos em que ela está sempre acompanhada, ou acompanhando, a vida da influenciadora.
Uma vida, que para ela, é muito família. Um dos motivos pelo qual diz admirar Virgínia. Além, é claro, de ser bem influenciada pela criadora. Na visão dela, Virgínia tem um “marketing top” e é muito carismática. Os produtos já adquiridos pela seguidora foram comprados não por conhecê-los ou saber da qualidade, mas, sim, pelo “carisma dela”. Que pelo visto, valeram a pena, ela diz que testou e ficou viciada nos produtos.
Apresentadora e Youtuber, Virgínia Fonseca é dona de uma trajetória extraordinária na internet, onde começou aos 16 anos. Hoje, tem um perfil que acumula mais de 50 milhões de seguidores, aos 25. Como empresária, é dona da marca de cosméticos We Pink. Segundo a revista Forbes, estima-se que a marca tenha faturado R$ 168,5 milhões em 2022. Mesmo acumulando -também- uma sequência de polêmicas envolvendo sua marca.
Entre produtos de qualidade questionável a falas como “parcelar é chique”, Virgínia também é uma dos influenciadores que divulga aos seus seguidores os famosos jogos de azar. Que, na visão de Viviane, é uma parte ruim do conteúdo, “mas como ela não incentiva tanto”, não chega a incomodá-la. “Carismática” e “esforçada” são adjetivos utilizados pela vivi para descrever o que acha da sua influenciadora preferida. São quatro ou cinco anos acompanhando a digital influencer no instagram, mesmo antes da fama. E batalhadora, Viviane vê na Virgínia uma mulher “de negócios” que lutou para chegar aonde chegou.

Imagem extraída de banco de imagens
ENTRE A SORTE E O DESESPERO: A REALIDADE DOS JOGOS DE AZAR
Por Beatriz Alencar
Os jogos de azar são atividades que dependem diretamente da sorte ou do acaso para determinar o resultado, em vez de habilidades ou estratégias dos jogadores. Essa prática remonta a cerca de 300 a.C., quando, na Mesopotâmia e na China, utilizavam-se dados de seis faces feitos de marfim ou osso. Na antiguidade romana, os jogos de dados eram bastante populares, sendo permitidos durante as Saturnais, mas proibidos em outras ocasiões. Além disso, as dívidas de jogo não podiam ser cobradas judicialmente.
Na Idade Média, tanto autoridades religiosas quanto civis reconheceram os perigos dos jogos de azar e tentaram proibi-los. Essas proibições foram registradas em documentos que oferecem uma visão interessante sobre os jogos de dados e cartas da época. Foi nesse período que surgiu a primeira distinção oficial entre jogos legais e ilegais, considerando mais a quantidade apostada do que o tipo de jogo.
Atualmente, no Brasil, os jogos de azar são amplamente restringidos por lei. Contudo, a legalização tem sido defendida por alguns setores devido à possibilidade de aumento na arrecadação de impostos e ao potencial de desenvolvimento econômico. Por outro lado, essa legalização levanta preocupações sobre lavagem de dinheiro e corrupção. A Lei nº 9.613/1998 combate a lavagem de dinheiro, impondo penas rigorosas para quem utiliza os jogos de azar com esse fim.
A prática tem se tornado comum através da divulgação das plataformas ilegais por influenciadores nas redes sociais. Apostas por meio das bets, por exemplo, abrangem eventos como futebol, corridas de cavalos e outros esportes. Além disso, há outros tipos de jogos de azar, como roletas, caça-níqueis e loterias, conhecidos no Brasil como "jogos do tigrinho".
Desde 2018, o Brasil regulamenta apostas esportivas online. Uma nova lei, em vigor desde janeiro de 2024, permite a taxação, fiscalização e combate a sites ilegais, bem como à manipulação de resultados. Essa legislação também estabelece regras sobre publicidade e prevenção ao vício. Apesar disso, os jogos de azar continuam proibidos no país, exceto as loterias, regulamentadas e operadas sob monopólio estatal, conforme o Decreto-Lei nº 204/1967.
Em entrevista com o historiador Gustavo Gaiofato, discutiu-se a popularização das bets no Brasil. Ele destacou que a digitalização e o fácil acesso à internet são fatores decisivos. Segundo Gustavo, “O brasileiro não tem muito acesso ao lazer e ao entretenimento diversificado, o que acaba concentrando muitas pessoas nessas plataformas digitais.”
O tema ganhou relevância recentemente com a prisão da influenciadora digital Deolane Bezerra e sua mãe, Solange Bezerra, durante a operação "Integration" da Polícia Civil. A ação investigava uma organização criminosa suspeita de lavagem de dinheiro e jogos ilegais online. A quadrilha movimentou cerca de R$ 3 bilhões em quatro anos, resultando em 19 prisões e 24 mandados de busca. A ligação específica de Deolane e Solange com o esquema ainda não foi detalhada, mas a investigação incluiu empresas de apostas online.
Uma entrevista também foi realizada com Matheus Lima, professor de Educação Física, que falou abertamente sobre sua relação com os jogos de azar. Matheus revelou que começou a apostar por influência de amigos, o que despertou seu interesse por esportes variados. Ele relatou que, em determinado momento, seus ganhos com apostas chegaram a superar o valor de seu salário.